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segunda-feira, 21 de março de 2011

Nise da Silveira - Senhora das Imagens (+++++)

Confesso que me sinto incapaz de comentar sobre alguns assuntos, mas estou aqui correr o risco de, mais uma vez, errar ou acertar.

Apesar de ter uma mãe psiquiatra e uma irmã seguindo os mesmos passos, falar sobre Nise da Silveira não é necessariamente fácil, até porque o ponto de vista de quem é leigo (ou quase) é diferente. Assisti a "Nise da Silveira - Senhora das Imagens", em cartaz até ontem no teatro de arena da Caixa Cultural do Rio de Janeiro (mas, segundo o diretor, em breve estará em outro local), sob os aspectos da interpretação, da direção, figurino, entre outros pareceres mais técnicos.
Antes de abordar qualquer questão, se me permitem, gostaria de explicar, "resumidamente", quem foi a mulher que dá nome à peça.

Nise da Silveira foi uma renomada psiquiatra brasileira, aluna de ninguém menos que Carl Jung. Dedicou sua vida à psiquiatria e manifestou-se radicalmente contrária às formas agressivas de tratamento de sua época, tais como o confinamento em hospitais psiquiátricos, eletrochoque, insulinoterapia e lobotomia.

A doutora foi presa na época da ditadura sem acusação alguma, mas, segundo a própria, a detenção a ajudou a perceber as consequências do confinamento. Quando foi libertada, voltou ao trabalho no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, onde, pela discordância com os métodos adotados nas enfermarias, recusando-se a aplicar eletrochoques em pacientes, é transferida para o trabalho com terapia ocupacional, atividade, até então, menosprezada pelos médicos. Assim, em 1946, funda, nesta instituição, a "Seção de Terapêutica Ocupacional".

Nise fundou ainda, em 1952, o Museu de Imagens do Inconsciente, um centro de estudo e pesquisa destinado à preservação dos trabalhos produzidos nos estúdios de modelagem e pintura que criou na instituição, valorizando-os como documentos que abrem novas possibilidades para uma compreensão mais profunda do universo interior do esquizofrênico. Poucos anos depois, em 1956, ela desenvolve a Casa das Palmeiras, uma clínica voltada à reabilitação de antigos pacientes de instituições psiquiátricas.

Foi uma pioneira na pesquisa das relações emocionais entre pacientes e animais, que costumava chamar de co-terapeutas, e introduziu e divulgou a psicologia junguiana no Brasil.

Por todas essas lições, já valeria muito a pena comparecer ao teatro. Mas, como disse antes, tenho que julgar o espetáculo sob outros aspectos. E não dá para fazer uma crítica negativa sequer.

A peça conta apenas com a atriz Mariana Terra, que atua com uma competência de tirar o chapéu. Desenvolvendo diversos personagens, é a própria personificação da esquizofrenia. Contando com participações em vídeo de Ferreira Gullar, Ednaldo Lucena e Gilray Coutinho, e voz de Carlos Vereza (como Jung), além de coreografia de Ana Botafogo e da direção sublime de Daniel Lobo e Marcos Magalhães, o espetáculo nos apresenta uma lição de humanidade, onde paciente não é cliente, onde há a necessidade da conversa, de olhar no olho dele. São pequenos detalhes que fazem a diferença num tratamento.

Há uma passagem em que Nise conta sobre um ocorrido: Segundo a psiquiatra, todos os dias, às 4 horas da madrugada, uma paciente vinha trazer o café da manhã pra ela. A doutora, por diversas vezes, com educação, pediu pra que viesse mais tarde, às seis da manhã. Nada feito. A moça sempre chegava pontualmente às 4 da matina. Claro que não poderia brigar com ela, então arranjou uma forma de resolver a situação. Quando a jovem batia na porta dela, a médica puxava com um barbante a maçaneta e, com isso, a jovem entrava no quarto, deixava o lanche em cima da mesa, sentava na cadeira esperando a amiga dela levantar pra tomar café. Nise disse que tomava frio mesmo, porque valia a pena. Valia a pena manter a amizade.

Um exemplo como esse já resume tudo o que a protagonista fez na carreira. Uma salva de palmas para a coragem dessa mulher e a torcida para que muita gente tenha entendido a mensagem que ela quis passar.

Destaque também para as lindíssimas composições de João Carlos Assis Brasil.

Quando entrar em cartaz novamente, não pense duas vezes: vá assistir.

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